quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A mudança climática e a água na América Latina

Nos últimos anos, a humanidade tem visto, de forma cumulativa, as notícias sobre as modificações do clima ocorridas e profetizadas entre cientistas das mais variadas correntes do conhecimento. Na América Latina, mais especificamente, são visíveis o aquecimento e a deterioração dos ecossistemas nos Andes , o branqueamento dos corais no Caribe, os danos causados às zonas costeiras do Golfo do México, a possível retração da Floresta Amazônica e o aumento de desastres climáticos. Estes problemas já somam 2,4 vezes mais eventos ligados ao clima entre 2005- 2007 que os ocorridos entre 1970-1999. De todas essas conclusões, as que mais assustam a comunidade (tanto a civil como a científica) são as que descrevem os possíveis cenários quanto à disponibilidade de água em nosso planeta, mais especificamente nas regiões de pobreza mais caracterizada.

Quando estudamos detalhadamente o ciclo hidrológico, e o colocamos na posição de um dos mais importantes ciclos biogeoquímicos para o equilíbrio do meio ambiente, começamos a compreender quão grave pode ser a falta deste valioso bem ambiental. De todas as fontes de armazenamento e disponibilidade de água em nosso planeta, os oceanos contabilizam o equivalente a 97,3% do total na biosfera. Mas esta água, devido à alta salinidade, torna-se imprópria ao consumo humano. Se formos às calotas polares e glaciais atingiríamos cerca de 2,06% somente de água, contra 0,67% de água subterrânea e 0,01% presente em rios e lagos. O restante, possivelmente 0,08%, estaria em trânsito, sendo considerada uma pequena quantidade diante do total, mas suprindo, decisivamente, as necessidades para a sobrevivência dos organismos vivos e mantendo a produtividade, inclusive dissolvendo a maioria dos nutrientes necessários a este fim primordial da alimentação humana.

Em junho de 2008, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas), painel da ONU responsável pelo estudo das modificações climáticas em nosso planeta, lançou um relatório intitulado “El cambio climático y el água” em que descreve explicitamente as possíveis implicações dessas mudanças no ciclo hidrológico do planeta. Este relatório deixa claro que as alterações observadas no ciclo hidrológico evidenciam a vulnerabilidade da disponibilidade da água doce no planeta com consequência direta à sociedade humana e aos ecossistemas. Um dos fatos que mais têm chamado a atenção da comunidade científica é o aumento da precipitação em altitudes setentrionais e a diminuição nas áreas que circundam os 10ºS e os 30ºN a partir dos anos 1970, sendo projetado para o século XXI a diminuição da chuva nas regiões subtropicais e nas latitudes médias e baixas, o que nos leva a concluir que regiões secas na atualidade ficariam ainda mais secas. Por outro lado, nas regiões onde a precipitação for intensificada, as populações sofreriam a incidência de cheias e deslizamentos, agravando a situação de risco de muitas comunidades. No geral, segundo o relatório, as questões positivas e negativas destas alterações climáticas quanto à água seriam compensatórias.

Enquanto as modificações climáticas trazem problemas por falta de água, na contramão outros surgem por sua presença em demasia

Mas e a América Latina? Como enfrentaríamos este problema de caráter mundial em uma região marcada pelas diferenças sociais e econômicas? De que forma seremos atingidos por esta resposta natural à ação antrópica desenfreada de tantos anos?


Distinguimo-nos em três diferentes regiões geográficas do continente americano, sendo o México na América do Norte e todas as nações da América Central e do Sul. Gigantes como o Brasil e pequeninos territorialmente como a República Dominicana. Industrializados como o Brasil e o México e outrora de economia extrativista, alta taxa de analfabetismo e rico em reserva de gás natural como a Bolívia. Veementemente com enormes problemas sociais, mas com um potencial natural inigualável, possuímos fortes laços históricos e culturais. Segundo dados do Banco Mundial, cerca de 20% dos latinos viviam no final do século passado com menos de 1 dólar por dia, o que os colocava na posição de miséria mundial.

Um dos primeiros fatores a serem observados na América Latina é a questão da densidade populacional, o que acarreta necessidade de maior produção de alimento, ou melhor, maior produção agrícola, o que necessariamente não se faz sem água de boa qualidade e em abundância. Quase todos os países do continente desenvolvem a agricultura como eficaz meio de desenvolvimento econômico, mesmo que existindo nesta área geográfica uma grandiosa diversidade climática, que vai dos altiplanos andinos à maior floresta tropical do mundo, das ricas regiões agrícolas centrais da América do Sul até regiões de características já algumas áridas (estágios iniciais de deserto no Piauí e Pernambuco) e semiáridas do nordeste brasileiro. Enquanto as modificações climáticas trazem problemas por falta de água, na contramão outros surgem por sua presença em demasia, o que eleva a umidade do solo e desenvolve novas pragas, como as observadas na cultura de milho, batatas e trigo no Peru. Sem sombra de dúvida, podemos vislumbrar para essas regiões situações no mínimo incômodas quanto à mínima disponibilidade de alimento no futuro próximo, devido principalmente às incertezas climáticas de efeito direto sobre o ciclo hidrológico.

Estes fenômenos hidrológicos considerados extremos podem ser destacados entre os anos de 2004 e 2006. Como exemplo, citamos as intensas chuvas na Colômbia (2005), com quase cem mortos e mais de 140 mil atingidos, deslizamentos de terra na Venezuela (2005) devido a fortes chuvas, trazendo quase 70 mortes e 175 mil atingidos e, talvez, a de maior projeção internacional, devido a seu valor ambiental, a seca na Amazônia (2005) associada às altas temperaturas do Atlântico Norte tropical. Quanto às geleiras, fica cada dia mais clara a diminuição de suas áreas na Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, estando muitas delas consideradas de pequeno tamanho, já praticamente desaparecidas, o que acarreta consequentemente menor disponibilidade de água potável às comunidades beneficiadas por seu natural derretimento anual.

Confiantemente, em um grau de certeza médio para os pesquisadores do IPCC, após profunda análise dos modelos matemáticos estudados e considerados, a temperatura na América Latina se alterará entre 1º e 6ºC até o ano 2100, sendo caracterizados como anomalias negativas e positivas, aumentando as secas na América Central e a precipitação nas regiões tropicais e outras de menor intensidade na América do Sul. Todos os modelos são categóricos em evidenciar o aumento de dias com maior intensidade de umidade no sudeste do Brasil e na Amazônia Central e uma diminuição destes dias no nordeste brasileiro, ou seja, menor número de dias de chuva por ano.
Todas essas estimativas só levam em direção à população latina que sofrerá em maior ou menor incidência os efeitos destas mudanças climáticas. Para concluirmos uma ideia mais concreta, o relatório chama de estresse hídrico o fato de a população não dispor de água em número suficiente para o abastecimento humano, estimado em no mínimo 1.000m3 anuais por habitante. Os dados analisados estimam que este número possivelmente esteja entre 12 e 81 milhões na década de 2020 e entre 79 e 178 milhões em 2050. Essa alta demanda por água decorre em sua maioria pelo uso indiscriminado na agricultura, com a poluição de mananciais e água subterrânea, e pelo crescimento demográfico observado nas grandes cidades do continente latino-americano.

Outras perguntas nos cabem. Como nos adaptaremos a esta situação preocupante? Nossas políticas públicas são eficazes ou inexistem?

Para que possamos responder essas questões, vários fatores têm de ser observados, tais como: baixo PIB da maioria dos países, alta população em áreas de risco (inundações, deslizamentos e secas extremas) e falta de políticas públicas seguras e claras para o enfrentamento destas questões climáticas. Não podemos deixar de levar em conta a necessidade constante de criação de meios de sobrevivência digna a essas comunidades, principalmente no que diz respeito à alimentação e ao acesso à água. Organismos internacionais de cooperação, como o BIRD, têm investido de forma considerável em comunidades em risco de desastres ambientais com a construção de novas casas, recuperação de áreas de deslizamento, organização de novas práticas agrícolas para melhor aproveitamento da água em regiões áridas e até mesmo saneamento básico, o que reflete consideravelmente na saúde destas populações. No Brasil, a ASA (Articulação do Semiárido) e o Ministério do Meio Ambiente, com o seu programa de construção de cisternas para captação de água da chuva, distribuem a esperança para milhares de nordestinos residentes em locais de difícil acesso à água com nível de potabilidade e até disponibilidade.

Mesmo que nossas políticas públicas não sejam claras e nem eficazes, a AL deve coletivamente oportunizá-las como elemento central nos critérios de adaptação às já visíveis mudanças no clima. Os governos buscam, na maioria das vezes, obras ou ações de vulto, mais sem tanta objetividade e clareza, como ocorre com a transposição do rio São Francisco. Sem dúvida, necessitamos de uma nova ordem no processo de disponibilização da água, mas mais ainda na conservação deste valioso bem. Para que pudéssemos modificar esta estrutura, teríamos que investir grandiosas quantias na reestruturação de nossos sistemas captadores e distribuidores em várias cidades e de diferenciados portes populacionais. Nossas políticas na maioria das vezes respondem a extremos e desastres ocorridos e não à prática de redução da possibilidade destes acontecimentos, atingindo principalmente populações dentro do grau de pobreza.

Sobe para 28 o número de cidades em situação de emergência 9 de setembro de 2009

Santa Catarina tem 28 municípios em estado de emergência e uma cidade em estado de calamidade pública por causa do temporal que atingiu o Estado na terça-feira, segundo balanço divulgado pela Defesa Civil nesta quarta-feira. São 81.021 pessoas afetadas, 1.347 desabrigados, 16.049 desalojados, 286 deslocadas, 170 feridos e quatro mortos.
As cidades atingidas e que decretaram emergência são: Abelardo Luz, Água Doce, Barra Velha, Calmon, Coronel Martins, Corupá, Dionisio Cerqueira, Entre Rios, Formosa do Sul, Galvão, Ipuaçu, Irani, Itaiopolis, Lebon Regis, Monte Castelo, Ouro Verde, Passos Maia, Rio das Antas, Santa Terezinha, Santa Terezinha do Progresso, São Bernardino, São Domingos, São José do Cedro, São Miguel da Boa Vista, Schroeder, Tigrinhos, Vargeão e Vargem Bonita. Guaraciaba está em estado de calamidade pública.
O município de Guaraciaba - onde quatro pessoas morreram e outras 64 ficaram feridas - decretou estado de calamidade pública.
Tornados - Mas não foi apenas a chuva que espalhou estragos entre os catarinenses. O Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri/Ciram) e a Defesa Civil confirmaram que pelo menos três cidades foram atingidas por tornados na noite de segunda-feira: Guaraciaba, Salto Veloso e Santa Cecília. Os ventos chegaram a 120 km/h e duraram cerca de uma hora e meia, destruindo casas, destelhando escolas e galpões e deixando matas nativas totalmente arrasadas.
Tragédia - O temporal e os ventos fortes que atingiram as cidades catarinenses trazem à memória a tragédia que o Estado viveu entre os últimos meses de 2008 e o início de 2009. Ao todo, 135 pessoas morreram por causa dos temporais, principalmente em municípios da faixa litorânea do Estado.
(Com Agência Estado)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Enchentes

Além dos mais variados problemas causados pelo homem que assolam as grandes cidades, outros fenômenos que contam com grande participação da natureza também dificultam a vida nos centros urbanos: as enchentes.

por Aline Aquino

As áreas urbanas são as que mais expressam as intervenções humanas no meio natural. O desmatamento, as edificações, a canalização, a mudança do curso dos rios, a poluição da atmosfera, dos cursos de água e a produção de calor geram diversos efeitos sobre os aspectos do ambiente. As alterações ambientais causadas pelas atividades urbanas são sentidas pela população, tais como o aumento da temperatura nas áreas centrais, o aumento de precipitação e as enchentes. Essa última consequência do processo de urbanização teve como causa principal a construção de casas, indústrias, vias marginais implantadas nas áreas de várzeas dos rios e proximidades e é, atualmente, um problema constante nos períodos chuvosos nos principais centros urbanos.

Causas e Consequências
As enchentes são fenômenos naturais que ocorrem quando a precipitação é elevada e a vazão ultrapassa a capacidade de escoamento, ou seja, quando a chuva é intensa e constante, a quantidade de água nos rios aumenta, extravasando para as margens dos rios (áreas de várzeas). Todos os canais de escoamento possuem essa área de várzea para receber o "excesso" de água, quando ela ultrapassa os limites dos canais. Entretanto, com as interferências antrópicas (do homem), as inundações são intensificadas em vista de alterações no solo de uma bacia hidrográfica, tais como a urbanização, impermeabilização, desmatamento e o desnudamento (eliminação da vegetação).

O processo de urbanização causa mudanças no microclima das cidades. O intenso processo de desmatamento e a construção de residências, edifícios, indústrias, ocupação das áreas de várzeas e a impermeabilização do solo com asfalto acarretam no aumento de temperatura dos centros urbanos em relação às áreas periféricas (afastadas do centro) e às áreas rurais. Em algumas cidades esta diferença de temperatura pode atingir até 10°C. Além do desmatamento e da impermeabilização do solo, o consumo de combustíveis fósseis por automóveis e indústrias torna a cidade uma fonte de calor. Esse fenômeno é denominado "ilha de calor". O aumento de temperatura nos centros urbanos intensifica a evaporação; além disso, o material particulado (poluentes) em suspensão favorece a formação de núcleos de condensação na atmosfera. O resultado é o aumento da quantidade de chuvas. A tabela 1 mostra que, nas áreas urbanas, a quantidade de chuva anual é 5% maior e, em dias de chuva, a precipitação (quantidade de chuva medida) é 10% superior se comparada com as áreas rurais. No entanto, as inundações não resultam apenas do aumento da quantidade de chuva, mas - e principalmente - do aumento da velocidade de escoamento superficial ocasionado pela impermeabilização do solo. Além disso, diariamente, os rios recebem uma carga de água utilizada pela população (esgoto), o que também contribui para aumentar a quantidade de água no leito dos rios.

Diariamente os rios recebem a água do esgoto nas cidades brasileiras, o que contribui para aumentar a ocorrência de enchentes.

Em condições naturais, parte da chuva fica retida nos troncos e folhas, o escoamento superficial é retido por obstáculos naturais gerando maior infiltração e retardando a chegada da água nos cursos de água. Quando a cobertura vegetal é retirada, não há resistência ao escoamento e a água atinge os rios com maior facilidade e rapidez, contribuindo também com o assoreamento dos rios, pois, sem a cobertura vegetal, os sedimentos são carregados pela água e acabam depositados no fundo dos leitos dos rios. Este fato é agravado quando há impermeabilização do solo.

Outro fator que agrava as inundações nos centros urbanos é o entupimento dos bueiros ocasionado pelo lixo jogado nas ruas pela população. Em dias de chuva, com a impossibilidade do escoamento pelos bueiros, a água concentra-se nas ruas de forma rápida, causando transtornos no trânsito e no comércio, além de atingir residências e causar todo o tipo de estragos.

Alterações climáticas geradas pela urbanização

Fonte: DREW, D. Processos Interativos homem-meio ambiente. São Paulo: Difel, 1986.

Um perigo para a vida urbana

As enchentes representam uma ameaça para a população, especialmente nas áreas periféricas, onde há deficiência de coleta e tratamento de esgoto. Em épocas de inundações, a população tem contato com a água contaminada, contribuindo para a propagação de doenças como a leptospirose. O processo de urbanização no Brasil, atualmente, ocorre de forma intensa e, na maior parte dos casos, sem planejamento. Áreas inteiras são ocupadas e loteadas, de forma clandestina ou não, contribuindo para os processos de erosão. Esta urbanização desmesurada também leva a população a ocupar áreas dos leitos de rios ou de mananciais.

Precipitação
É o nome técnico utilizado para denominar o fenômeno climático de queda de água do céu para a superfície terrestre. A precipitação pode ser sólida (granizo); sólida em cristais (neve, ocorre quando o esfriamento da água é mais lento) e líquida (chuva propriamente dita).

Tudo isso só faz agravar a problemática das enchentes nos grandes centros urbanos. As soluções encontradas para conter, da maneira que é possível, as enchentes seguem uma linha imediatista na tentativa de alcançar a resolução do problema em um período curto de tempo. Dentre as ações, destacam-se as obras de desassoreamento dos rios (retirada dos sedimentos depositados pela água) e, consequentemente, o aprofundamento do leito, com canalização e construção de reservatórios regularizadores de vazão.

Alternativas e soluções
As medidas preventivas ideais para a solução das inundações são fundamentalmente institucionais. A atuação e fiscalização dos órgãos responsáveis (estaduais e municipais) no que tange ao uso e ocupação do solo, à utilização dos recursos hídricos e ao cumprimento da legislação seriam um bom ponto de partida para a solução do problema.

Neste sentido, a má definição de atribuições, ausência de uma política unificada e de competição entre os órgãos públicos e o conflito de projetos são fatores que influenciam na resolução dos problemas em curto prazo e o grande investimento de capital. Portanto, frente aos problemas elucidados, é necessário um planejamento urbano coerente com a gestão dos recursos hídricos e uso e ocupação do solo, respeitando as áreas de várzeas e as encostas. Ressalta-se que estas áreas podem ser ocupadas, mas de forma planejada, e as atividades devem ser compatíveis com as suas características, como, por exemplo, a implantação de parques, ciclovias, áreas para práticas esportivas ou exposições nas áreas de várzea.

A conscientização dos técnicos e da população de que as enchentes são um processo natural do regime hidrológico de um rio é essencial para a implantação de medidas preventivas que evitem os prejuízos vistos atualmente e com os quais toda a sociedade tem que arcar.

As enchentes representam uma ameaça para a população, especialmente nas áreas periféricas, onde há deficiência de coleta e tratamento de esgoto. Em épocas de inundações, a população tem contato com a água contaminada, contribuindo para a propagação de doenças como a leptospirose.

Planejamento Urbano: existente ou inexistente?

A maioria das metrópoles brasileiras cresce de forma desordenada; porém, existem leis e planos cujo objetivo é mudar esta situação.

por Marcelo Marcondes
As Políticas Públicas Urbanas, até as décadas de 1960 e 1970, eram reações, por parte do governo federal, ao ‘êxodo rural’ que o País vinha sofrendo. Estas políticas eram, em sua maioria, voltadas para a infraestrutura urbana, a saber: habitação e saneamento. Na década de 1970, foram elaboradas políticas de ordenamento urbano, por parte do Governo Federal, a fim de se definir e fomentar o ordenamento nas Regiões Metropolitanas e nas Cidades Médias.

O planejamento urbano é uma importante ação contra o crescimento urbano desordenado.
Em 1988, uma nova Constituição foi elaborada e definiu o município como um ente federativo, além de promover a descentralização da receita tributária. Assim, o Federalismo começava a se delinear no País, à medida que se descentralizava o poder estatal. Dessa forma, a partir de 1988, começou a ocorrer um repasse de renda; do Governo Federal para os Estaduais e estes repassam aos Municípios. Além disso, com a nova Constituição, os municípios ganharam o poder de legislar leis próprias, de tributar seus próprios impostos e, por fim, de ordenar o solo urbano.
Com esses poderes ‘recém-adquiridos’, fez-se necessária a elaboração de um planejamento, que visasse organizar a distribuição espacial urbana, a ocupação do solo, a aplicação de impostos, o zoneamento da cidade, a infraestrutura de serviços públicos (de saúde, educação, abastecimento de água etc.), as áreas verdes e, por fim, a expansão ordenada do espaço urbano.

Organização do Planejamento Urbano
O processo do planejamento dos Municípios, como qualquer processo governamental, carece de uma sistemática, a fim de se minimizarem ‘acidentes de percurso’ e de se cumprir um dado cronograma ou conjunto de metas essenciais ao planejamento.
Um dos principais passos para o planejamento é a institucionalização do processo planejador. Por meio desse, estabelece-se uma rotina de trabalho que delineie e execute as ações de governo, de maneira cooperativa às demais esferas governamentais (estadual e federal). A primeira atitude a ser tomada é a definição objetiva das atribuições da administração urbana; das ações que se realizará diretamente e de outras que serão postas em prática levando em conta a cooperação com as esferas federal e/ou estadual.
O segundo passo importante é ‘tomar as rédeas’ do processo de planejamento. Há que se priorizar as metas estabelecidas anteriormente pelos planos, jamais favorecendo este ou aquele grupo ou empresa ou organização, em detrimento do plano inicial. Outro importante passo é sistematizar o planejamento, a fim de que os diversos órgãos do governo e instituições da sociedade se integrem para atingir os objetivos do planejamento. Quanto maior e mais desenvolvido o município, mais complexa se torna a sistemática do planejamento, o que pode demandar apoio técnico e logístico.
Assim, para municípios de médio a grande porte, é recomendável a criação de um órgão de planejamento e coordenação, que deverá coordenar o processo de planejamento, assim como assimilar novas tecnologias, captar informações e até angariar recursos financeiros para as ações da Administração Municipal.
De acordo com o IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), a equipe do órgão de planejamento deve ser constituída por um conjunto de profissionais e especialistas de diversas áreas, “cuja dimensão e composição serão determinadas pela amplitude das ações do órgão”. O grupo deverá ser familiarizado com a prática do planejamento urbano e com as áreas de atuação da Administração Municipal.
Por fim, o órgão de planejamento deve procurar sempre trabalhar cooperando com as demais secretarias e setores da Prefeitura. A metodologia do planejamento é sua principal responsabilidade e deve ser transmitida a todos os setores da Prefeitura, fomentando a tomada de decisões e estudando todas as probabilidades (de sucesso ou fracasso), os recursos (disponíveis e a serem angariados), oportunidades (de parceria, por exemplo), riscos e limitações.
Instrumentos do Planejamento urbano
Ainda segundo o IBAM, a elaboração de planos é essencial para que se comece a efetuar o processo de planejamento do Município. Assim, a administração local (conjuntamente com o órgão de planejamento, quando houver) deve criar planos para que tudo corra da maneira mais correta e eficiente possível. O plano plurianual de investimentos e o plano diretor são obrigatórios por lei para “todas as sedes municipais com mais de 20 mil habitantes”. Porém, outros planos (vide box) fazem-se necessários, devido à complexidade de alguns municípios, notadamente os de maior porte. Assim, a Lei Orgânica Municipal e a Constituição Estadual podem também estabelecer a obrigatoriedade de outros planos, como o plano de ação governamental.
Planejamento para cidades pequenas
O processo de planejamento urbano não é exclusivo ao ambiente metropolitano. Mesmo que a Constituição Federal obrigue municípios com mais de 20 mil habitantes a elaborarem um plano diretor, assim como um plano plurianual de investimentos, isso de maneira alguma quer dizer que ambientes urbanos com população inferior aos 20 mil não possa (ou não seja recomendado a estes) efetuar o processo de planejamento urbano. As pequenas (e médias) cidades também necessitam de um plano de metas e diretrizes a serem perseguidos (e porventura alcançados).
Nessas cidades, o plano diretor deve incluir o detalhamento de leis urbanísticas, a fim de enviar propostas efetivas para o desenvolvimento urbano, procurando simplificar o processo de planejamento. Em tais municípios, o órgão de planejamento pode ser constituído, minimamente, pelo prefeito e seus auxiliares diretos, munidos de um roteiro de trabalho que pressuponha e permita a consulta à população sobre as melhorias a serem perseguidas.
Há, assim, que se pensar e se articular soluções para um melhor aproveitamento do espaço urbano, dos recursos disponíveis e, quiçá, ‘inventar’ soluções e propostas para um melhor ordenamento do espaço urbano.

Há, assim, que se pensar e se articular soluções para um melhor aproveitamento do espaço urbano, dos recursos disponíveis e, quiçá, ‘inventar’ soluções e propostas para um melhor ordenamento do espaço urbano.
Outros planos
Conheça as variedades de categorias de planejamento urbano

Plano Plurianual de Investimentos

Determina e identifica financeiramente, ao longo do mandato político da administração local, os gastos anuais necessários para a concretização das obras e projetos estabelecidos no plano de ação governamental ou no plano diretor.

Ele permite a elaboração adequada do orçamento anual (outro instrumento de planejamento urbano). O orçamento anual deve traduzir em linguagem financeira todas as ações e despesas que a Administração desenvolverá durante o processo de planejamento.

Plano de Ação Governamental

É o plano que deve dispor cada novo administrador municipal (prefeito), ao início do mandato, com as diretrizes e metas a serem tomadas e perseguidas durante seu mandato político. É um instrumento de planejamento de médio prazo, que – é crucial que – leve em conta os objetivos do plano diretor e os recursos (financeiros, em sua maioria) disponíveis para sua execução.

Assim, ele deve dispor de alguns elementos. Um primeiro elemento, básico, é a identificação dos principais problemas urbanos (do município, da cidade). Outro elemento importante à ação governamental é a definição de diretrizes e metas de Governo. Deve ainda estimar o custo dos investimentos e dos desembolsos correntes e determinar as fontes de financiamento àquelas metas e diretrizes: receitas próprias, empréstimos (FMI, BID, BIRD, etc.) e transferências automáticas (decorrente dos impostos urbanos ou de repasses estaduais e/ou federais) e voluntárias (repasses das outras esferas de governo mediante convênios).

Plano Diretor

Consoante à Constituição Federal, a política de desenvolvimento urbano obrigatoriamente deve ser executada pelo Poder Público Municipal. Neste processo, as outras esferas governamentais (governo estadual e federal) podem e devem supervisionar esse processo. Exigido pela Constituição (como já foi dito antes) para municípios de mais de 20 mil habitantes, o plano diretor é o instrumento da política de desenvolvimento urbana. Seu principal objetivo é atuar no processo de desenvolvimento local, permitindo uma maior compreensão dos fatores políticos, econômicos e financeiros e territoriais circunscritos ao município.

Outros objetivos do plano diretor são: servir de referência à ação de governo, esteja vinculado a qualquer processo de planejamento preexistente ou anterior; recrutar a participação pública (na forma de conselhos, comitês ou comissões representativas), seja na elaboração do plano, seja em sua implementação, ou no seu acompanhamento; por fim, o plano diretor deve se estender a todo o espaço municipal seja ele habitado ou não, sem, de maneira alguma, negligenciar áreas em benefício de outras.

É preciso também que o plano diretor não ignore o contexto regional no qual o município está inserido (por exemplo, no caso de São Paulo, a RMSP). Por meio do plano diretor, define-se:

- O zoneamento e o uso do solo urbano;
- A gestão tributária;
- A gestão urbana;
- A gestão pública (social);
- A gestão ambiental;
- A gestão educacional;
- A expansão, sustentável, do espaço urbano.

Problemas

Problemas no processo de planejamento podem ocorrer e devem ser contabilizados e considerados. Cronogramas de execução de obras públicas que tinham todos os elementos para darem certo e serem aplicados de forma eficaz depararam-se com o fracasso, pois não foi feita uma devida análise de riscos. Alguns problemas que podem ocorrer durante o processo de planejamento, constituindo-se em barreiras ao mesmo são:

A localização do principal órgão de planejamento na estrutura hierárquica: Se ao órgão planejador não for dada a devida importância e o poder devido para planejar, há um grande chance de o planejamento proposto ser ‘editado’ e não sair como deve;

Conflitos de jurisdição, resistência, desconfiança e outros tipos de reação que dificultam o processo: Se, por parte do setor privado da sociedade, não houver cooperação ou investimento, o processo de planejamento é dificultado; da mesma forma, se um plano esbarra na legislação do município, encontrando barreiras judiciais para sua implementação, ele fica debilitado;

O campo de competência do órgão planejador e as inter-relações com outras unidades: Se não houver um diálogo do órgão planejador com outros órgãos (por ex: SABESP, CETESB, etc.) e secretarias (por ex: LIMPURB, Secretaria de Educação, Secretaria da Saúde, de Obras Públicas etc.) aumenta a chance de serem vetados alguns planos;

Por fim, falta de apoio, participação e desaprovação por parte da população: Obras de médio e grande porte podem ser paralisadas ou cessadas devido à pressão da população; a participação pública no planejamento urbano é essencial, manifestando os desejos e opiniões públicos.

Todos os problemas apontados devem ser contabilizados numa análise de riscos, para que sejam devidamente calculados a priori da execução do planejamento, a fim de minimizá- los ou solucioná-los.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O céu é verde

A ideia dos jardins suspensos floresce em cidades cujas alturas permitem esses espaços naturais.
Por Verlyn Klinkenborg



Foto de Diane Cook e Len Jenshel Uma coroa natural orna o edifício da prefeitura de Chicago, amenizando a vida - e a temperatura - numa cidade famosa por seus prédios de aço e alvenaria. O prefeito Richard Daley citou Chicago entre as principais cidades que adotam os telhados verdes na América do Norte.
Acima de tudo, os telhados ecológicos são habitáveis. Eles recuperam um espaço hoje desperdiçado e o transforma em uma rede de ilhas verdes elevadas que se conectam com as áreas de vegetação externas às manchas urbanas. Espécies de todos os tamanhos - formigas, aranhas, besouros, maçaricos, corvos - passam a frequentá-los. Em Zurique, na Suíça, uma cobertura ecológica de 95 anos é um refúgio para nove espécies de orquídea, as quais haviam sido erradicadas dos campos em torno da cidade quando foram transformados em áreas agrícolas.

Os defensores das biocoberturas argumentam que já resolveram a maioria, se não todos, dos desafios técnicos levantados com a introdução de uma camada biológica no topo dos edifícios, seja qual for a dimensão da área. Embora o custo médio de instalação de um telhado ecológico seja de duas a três vezes maior que o de um telhado convencional, ele sai mais barato no longo prazo, em função sobretudo da economia de energia. A vegetação também protege a cobertura da radiação ultravioleta, aumentando sua vida útil. E requer cuidados específicos, similares à manutenção mínima de um jardim.

Para a difusão desse tipo de cobertura, ainda resta, porém, superar desafios filosóficos, vários dos quais relativos à própria concepção do que deveria ser um telhado e de como deveria funcionar. Os clientes tendem a preferir telhados vivos que sejam de fácil manutenção e se mantenham verdes durante o ano todo, gramados perpétuos junto ao céu, e não um matagal que varia conforme as estações. Já construtores e arquitetos preferem soluções intercambiáveis, padronizadas e universais, o tipo de biocobertura hoje oferecido por algumas das grandes empresas no setor de ecotelhados.

Uma cobertura ecológica, porém, não é apenas alternativa orgânica para um telhado morto. Ela pede uma maneira de pensar distinta. Uma cobertura viva padronizada, como um tapete de erva-pinheira, é melhor que um telhado convencional, mas é possível instalar biocoberturas que sejam ainda mais benéficas ao ambiente. O objetivo dos pesquisadores é achar formas de construir telhados vivos que sejam, sob todos os aspectos, benéficos em termos ecológicos e sociais: com baixo custo ambiental e acessíveis ao maior número de pessoas.

O cientista suíço Stephan Brenneisen resume o desafio: "Trata-se de encontrar soluções simples e baratas com materiais da própria região". Isso significa um uso menor, entre a laje de cobertura do prédio e as próprias plantas, de plástico e outros materiais cuja produção demanda muita energia. Não se trata apenas de viabilizar os telhados ecológicos. É preciso fazer isso do modo mais sustentável possível, consumindo pouca energia e criando o máximo benefício aos hábitats humanos e não-humanos.

No outono passado, subi até o telhado do Portland Building, um edifício de 15 andares no centro de Portland, no Oregon. Quem me serviu de guia foi o gerente do Programa Municipal de Ecotelhados, Tom Liptan, um fascinado por enxurradas e chuvas fortes, que começou seus experimentos com telhados verdes ao construir um sobre sua garagem, em 1996. Caminhando entre ervas-pinheiras e fescutas, fomos até o parapeito e de lá contemplamos, andares abaixo, o telhado da prefeitura municipal. Era uma cobertura convencional com manta asfáltica, o tipo de telhado com o qual convivemos há décadas. No entanto, como parte do projeto Do Cinza ao Verde, de Portland - voltado para o manejo sustentável das águas de chuva -, o prédio da prefeitura logo terá o seu telhado ecológico. "Os funcionários querem isso", comentou Liptan.

Na história daquele prédio municipal, quantas vezes as pessoas que ali trabalhavam pensaram a respeito da cobertura asfáltica pairando sobre a cabeça? Quando o telhado verde estiver pronto, é possível que o visitem apenas de vez em quando, mas não vão se esquecer de que ele está presente ali em cima. Que ele aumenta a área verde no centro da cidade, filtra a água da chuva e contribui para arrefecer a temperatura. Isso me lembrou algo dito por Stephan Brenneisen: "As pessoas sentem-se mais felizes em um edifício no qual devolvemos algo à natureza".

Imagine os milhões de hectares de telhados estéreis em todo o planeta. Agora imagine parte dessa área sendo devolvida à natureza - com espaços verdes surgindo onde antes havia asfalto e cascalho. Se uma módica felicidade humana é o efeito colateral, quem vai se opor a isso?
Acima de tudo, os telhados ecológicos são habitáveis. Eles recuperam um espaço hoje desperdiçado e o transforma em uma rede de ilhas verdes elevadas que se conectam com as áreas de vegetação externas às manchas urbanas. Espécies de todos os tamanhos - formigas, aranhas, besouros, maçaricos, corvos - passam a frequentá-los. Em Zurique, na Suíça, uma cobertura ecológica de 95 anos é um refúgio para nove espécies de orquídea, as quais haviam sido erradicadas dos campos em torno da cidade quando foram transformados em áreas agrícolas.

Os defensores das biocoberturas argumentam que já resolveram a maioria, se não todos, dos desafios técnicos levantados com a introdução de uma camada biológica no topo dos edifícios, seja qual for a dimensão da área. Embora o custo médio de instalação de um telhado ecológico seja de duas a três vezes maior que o de um telhado convencional, ele sai mais barato no longo prazo, em função sobretudo da economia de energia. A vegetação também protege a cobertura da radiação ultravioleta, aumentando sua vida útil. E requer cuidados específicos, similares à manutenção mínima de um jardim.

Para a difusão desse tipo de cobertura, ainda resta, porém, superar desafios filosóficos, vários dos quais relativos à própria concepção do que deveria ser um telhado e de como deveria funcionar. Os clientes tendem a preferir telhados vivos que sejam de fácil manutenção e se mantenham verdes durante o ano todo, gramados perpétuos junto ao céu, e não um matagal que varia conforme as estações. Já construtores e arquitetos preferem soluções intercambiáveis, padronizadas e universais, o tipo de biocobertura hoje oferecido por algumas das grandes empresas no setor de ecotelhados.

Uma cobertura ecológica, porém, não é apenas alternativa orgânica para um telhado morto. Ela pede uma maneira de pensar distinta. Uma cobertura viva padronizada, como um tapete de erva-pinheira, é melhor que um telhado convencional, mas é possível instalar biocoberturas que sejam ainda mais benéficas ao ambiente. O objetivo dos pesquisadores é achar formas de construir telhados vivos que sejam, sob todos os aspectos, benéficos em termos ecológicos e sociais: com baixo custo ambiental e acessíveis ao maior número de pessoas.

O cientista suíço Stephan Brenneisen resume o desafio: "Trata-se de encontrar soluções simples e baratas com materiais da própria região". Isso significa um uso menor, entre a laje de cobertura do prédio e as próprias plantas, de plástico e outros materiais cuja produção demanda muita energia. Não se trata apenas de viabilizar os telhados ecológicos. É preciso fazer isso do modo mais sustentável possível, consumindo pouca energia e criando o máximo benefício aos hábitats humanos e não-humanos.

No outono passado, subi até o telhado do Portland Building, um edifício de 15 andares no centro de Portland, no Oregon. Quem me serviu de guia foi o gerente do Programa Municipal de Ecotelhados, Tom Liptan, um fascinado por enxurradas e chuvas fortes, que começou seus experimentos com telhados verdes ao construir um sobre sua garagem, em 1996. Caminhando entre ervas-pinheiras e fescutas, fomos até o parapeito e de lá contemplamos, andares abaixo, o telhado da prefeitura municipal. Era uma cobertura convencional com manta asfáltica, o tipo de telhado com o qual convivemos há décadas. No entanto, como parte do projeto Do Cinza ao Verde, de Portland - voltado para o manejo sustentável das águas de chuva -, o prédio da prefeitura logo terá o seu telhado ecológico. "Os funcionários querem isso", comentou Liptan.

Na história daquele prédio municipal, quantas vezes as pessoas que ali trabalhavam pensaram a respeito da cobertura asfáltica pairando sobre a cabeça? Quando o telhado verde estiver pronto, é possível que o visitem apenas de vez em quando, mas não vão se esquecer de que ele está presente ali em cima. Que ele aumenta a área verde no centro da cidade, filtra a água da chuva e contribui para arrefecer a temperatura. Isso me lembrou algo dito por Stephan Brenneisen: "As pessoas sentem-se mais felizes em um edifício no qual devolvemos algo à natureza".

Imagine os milhões de hectares de telhados estéreis em todo o planeta. Agora imagine parte dessa área sendo devolvida à natureza - com espaços verdes surgindo onde antes havia asfalto e cascalho. Se uma módica felicidade humana é o efeito colateral, quem vai se opor a isso?

Déficit é fatal no saneamento básico


Falta de investimentos e negligência do poder público deixam metade da população sem esgoto

CEZAR MARTINS


Estação de tratamento de água em Jundiaí (SP):
raro exemplo / Foto: Divulgação


Contaminado pelo baixo nível de investimentos, pela ausência por décadas de leis claras e específicas sobre o tema e, principalmente, pela negligência dos políticos, o Brasil mantém seus cidadãos sob ameaça de adoecer devido à falta de saneamento básico. Mais de metade da população nacional não conta com coleta de esgoto, um dos requisitos primários para garantir a saúde especialmente das crianças, as principais vítimas de doenças causadas por bactérias, vermes e outras pragas que proliferam nas valas em que dejetos correm a céu aberto. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) constatou que, até 2007, 50,56% das residências nacionais ainda não eram atendidas por redes públicas de esgotamento sanitário. Estima-se que, a cada ano, aproximadamente 2,5 mil crianças menores de 5 anos morram no Brasil devido a diarreia causada por más condições de higiene, uma média de sete por dia, e que aproximadamente 65% das internações das menores de 10 anos sejam provocadas por males decorrentes da deficiência ou da inexistência de esgoto e água limpa.

O problema é predominantemente urbano, está concentrado nas regiões metropolitanas, por serem locais de maior densidade populacional, e fica ainda mais preocupante quando considerados os índices de tratamento do esgoto. Existem cidades com mais de 300 mil habitantes em que, não bastasse a rede de coleta ser insuficiente, o volume de efluentes tratados antes de ser despejados em rios, córregos e mananciais é praticamente nulo. Essa deficiência é um dos fatores da baixa qualidade da água oferecida à população para consumo e tem impacto no número de casos de doenças mesmo entre moradores de bairros com infraestrutura adequada. Além dos problemas de saúde, o levantamento da FGV, feito com base num cruzamento de dados do Ministério das Cidades, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos oficiais, mostrou os reflexos econômicos da ausência de saneamento. Trabalhadores que vivem em áreas carentes desse tipo de serviço faltam 11% a mais no trabalho, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) para curar doenças causadas por esse problema chegam a R$ 300 milhões por ano e o turismo, atividade com grande capacidade de gerar empregos em cidades como Salvador e Rio de Janeiro, fica seriamente prejudicado devido à insuficiência da rede de esgoto e à poluição.

O governo brasileiro já fez um diagnóstico da situação e descobriu que, para garantir o que os especialistas chamam de universalização do saneamento, terá de desembolsar em torno de R$ 200 bilhões. O tamanho da conta se deve a décadas consecutivas de estagnação em obras para ampliação da rede, causada por diversos fatores, dos quais o principal é o fato de o saneamento quase nunca ter sido priorizado nas agendas de prefeitos de todo o país, partidários da ideia de que "obras enterradas não trazem votos".

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), essa letargia impedirá o Brasil de fazer a sua parte para cumprir o plano de diminuir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas sem rede de esgoto em todo o mundo. Esse é um dos itens dos Objetivos do Milênio, um conjunto de oito metas que, se forem cumpridas por todos os países, contribuirão para a diminuição da miséria e da desigualdade social. Em 2006, de acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o país ocupava apenas a 67a colocação em um ranking de 177 nações analisadas que disponibilizam o acesso a esgoto a seus habitantes. Daqui a seis anos, conforme o prazo estabelecido pela ONU, o país deveria levar o serviço de coleta a 69,71% dos lares brasileiros, mas um estudo do próprio Ministério das Cidades considera muito difícil que essa taxa seja alcançada. "É preciso descaracterizar saneamento como obra política e transformá-la em obra de demanda social", afirma Raul Graça Pinho, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) criada com o apoio de indústrias e associações relacionadas à área de saneamento para incentivar o debate entre a população e cobrar soluções mais rápidas dos governantes.

Embora o quadro no país seja grave, a falta de saneamento básico está longe de ser um problema exclusivamente brasileiro. Em muitos países da África e da Ásia, o simples acesso à água potável praticamente não existe e, por isso, buscando incentivar os diversos governos a prestar mais atenção ao tema, a ONU instituiu 2008 como o Ano do Saneamento. Apesar de ainda existirem regiões no norte e nordeste do Brasil em que secas e racionamentos são frequentes, aproximadamente 90% da população nacional conta com abastecimento de água. O calcanhar-de-aquiles verde-amarelo está mesmo na questão do esgotamento sanitário e no posterior tratamento, que deveria acontecer em centrais modernas e bem-aparelhadas, capazes de evitar a contaminação dos rios.

O problema também está longe de se restringir a comunidades de áreas carentes. Mesmo em capitais localizadas em regiões de economia importante, como Manaus, Florianópolis e Recife, menos de metade da população dispõe de coleta de esgoto. Em outras, onde a rede é maior, o problema é o volume tratado. Em São Paulo, a maior e mais habitada cidade do país, apenas 46% do esgoto recebe tratamento antes de ser despejado nos rios Tietê e Pinheiros. Belo Horizonte cuida de 32% e Porto Alegre, de apenas 22%. Os dados foram levantados pelo Trata Brasil e subsidiam uma campanha de mobilização que tem o objetivo de pressionar os prefeitos de cidades com mais de 300 mil habitantes empossados em janeiro deste ano. "Esses números são oficiais, mas podem variar de um ano para outro. Assim que uma estação de tratamento é inaugurada, o índice aumenta consideravelmente. Para justificar-se, muitos prefeitos alegam que as obras estão começando. De qualquer maneira, o retrato é preocupante", destaca Pinho.

A pesquisa mostra até casos curiosos, como o de Joinville, em Santa Catarina, um dos municípios que entraram na lista da instituição. A cidade abriga as duas maiores fábricas de tubos do Brasil, das concorrentes Tigre e Amanco, e ainda assim apenas 15% da população é atendida por rede de esgoto. "São números vergonhosos. Queremos alcançar em 2012 cerca de 70% de cobertura, que é o mínimo que se pode esperar de uma cidade tão rica como Joinville", prometeu o prefeito Carlito Merss, do Partido dos Trabalhadores (PT), pouco depois de ser eleito. Mesmo após as enchentes que ocorreram no final do ano passado, o município, atingido com menor gravidade que alguns de seus vizinhos, manteve a meta de expansão da rede.

Mais dinheiro, velhos problemas

Apesar de toda a perspectiva negativa, o ano passado terminou com uma boa notícia. Após anos de marasmo e lentidão, a taxa de habitantes sem acesso à coleta de esgoto havia recuado 5% entre 2002 e 2007, um alento para quem estava acostumado a índices frequentemente inferiores a 2%. Mais importante do que isso, foi identificada pela primeira vez em dez anos uma redução significativa na taxa de mortes de crianças entre 1 e 4 anos – de 27,11% para 23,30%, segundo dados do Ministério da Saúde. "Não sabemos quanto disso está relacionado a esse avanço na coleta de esgoto, mas certamente existe conexão. Também há o reflexo de programas sociais, como o Bolsa Família, mas é certo que a redução seria menor se não houvesse esse investimento em saneamento. Essa, para mim, é a maior prova de que esse é o caminho correto a seguir o mais rápido possível", afirma Raul Pinho. Chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV e coordenador da pesquisa, o economista Marcelo Neri faz uma ressalva: "É um bom sinal, mas não podemos nos empolgar por causa de um ano atípico. A verdade é que o saneamento, no Brasil, ainda anda a passos de cágado".

Os resultados positivos encontrados na última pesquisa ocorreram por causa do aumento das verbas disponíveis para o setor, de acordo com Sérgio Gonçalves, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. "De 1999 até 2002, foram investidos apenas R$ 240 milhões, porque havia uma restrição muito grande que inviabilizava o acesso a financiamentos. De 2003 a 2006, voltamos a investir. Foram disponibilizados R$ 6,1 bilhões, que somados com os recursos do orçamento da União totalizam algo em torno de R$ 12,4 bilhões em quatro anos. Por isso houve esse crescimento no acesso da população à rede de coleta." A promessa do governo federal é aumentar ainda mais o aporte de recursos. Lançado em 2007 como a principal bandeira do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem a meta de investir R$ 40 bilhões em quatro anos para aumentar a abrangência do saneamento. A uma média de R$ 10 bilhões ao ano, o Brasil demorará duas décadas para conseguir oferecer um serviço básico e essencial a todos os seus habitantes. Um período longo, mas satisfatório na análise de muitos especialistas, tendo em vista o ritmo lento de crescimento observado até o começo deste século.

Contudo, no Brasil, as dificuldades e obstáculos para aplicar os recursos e transformar os projetos em ações práticas são tão antigos quanto o déficit do saneamento. Segundo as contas do Ministério das Cidades, R$ 22,6 bilhões do dinheiro prometido pelo PAC já foram contratados para a execução de obras em municípios de norte a sul. Só que, até agora, apenas algo em torno de R$ 2 bilhões foram efetivamente empregados – menos de 10%. O restante continua guardado em contas gerenciadas pela Caixa Econômica Federal e só poderá ser sacado depois que empresas e governos que assinaram os contratos mostrarem que as obras prometidas estão concluídas. "Pagamos por obra feita. O dinheiro do PAC vem do trabalhador brasileiro e não podemos correr o risco de empregá-lo em projetos que não sejam 100% seguros", explica Gonçalves.

O problema é que muitas obras estão paralisadas exatamente por falta de recursos financeiros, ou então por problemas judiciais, como desapropriações, falta de licenciamento ambiental e outras pendências. Como são projetos de conclusão geralmente demorada, a tendência é que os "passos de cágado" continuem a determinar o ritmo da expansão da rede no país. Por outro lado, não é possível condenar as iniciativas tomadas para evitar que o dinheiro público seja desperdiçado. Uma pesquisa publicada no ano passado pela organização não-governamental Transparência Internacional, de Berlim (Alemanha), estima que, em média, a corrupção seja responsável por elevar em 45% o custo das obras no setor de água e saneamento básico nos países em desenvolvimento.

Outra reclamação de quem atua no setor é que a maior parte dos recursos disponibilizados não vem do orçamento da União, mas de empréstimos autorizados por meio da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com isso, companhias estaduais de saneamento e estados com baixa capacidade de endividamento continuam a não ter dinheiro para executar as obras necessárias. "No Brasil, as fontes de financiamento são quase todas públicas, e as regras estabelecidas pela política do governo. A partir de 2010, precisamos ter uma nova engenharia financeira para alocar recursos e permitir o acesso a eles, inclusive com o aumento da participação de dinheiro do orçamento", afirma Walder Suriani, da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe).

Responsabilidades

A destinação de mais dinheiro para obras em municípios não explica, sozinha, os avanços percebidos recentemente na área de saneamento básico. Os especialistas indicam também a criação de marcos regulatórios específicos que permitiram ao setor fazer acordos e contratos mais claros. A aprovação em janeiro de 2007 da lei federal 11.445, chamada de Lei do Saneamento, criou condições e diretrizes para os investimentos dos governos em benfeitorias nas cidades. Outra iniciativa que poderia ajudar o Brasil a diminuir o déficit com mais velocidade seria a regulamentação de concessões e parcerias entre prefeituras e estados com a iniciativa privada. Segundo o Ministério das Cidades, apenas 5% do atendimento hoje feito no Brasil está sob responsabilidade de empresas particulares. A formação de parcerias público-privadas, as PPPs, pode ser a solução para muitas cidades em que companhias públicas e governos não têm capacidade de levantar financiamentos.

Já houve quem defendesse a privatização completa do sistema de coleta e tratamento de esgoto no país, mas o discurso parece ter se enfraquecido por conta da baixa qualidade de serviços prestados em outros setores e também pela complexidade do saneamento. "Eu não acredito na privatização, porque as empresas privadas buscam rentabilidade e partem da premissa de que é necessário recuperar os investimentos feitos. Isso pode acontecer em municípios grandes, com uma população que tem alto poder aquisitivo, mas não leva a rede de esgoto para quem mais precisa, os pobres. As companhias estaduais de saneamento trabalham com municípios menores e não-viáveis para empresas com essa perspectiva. Acho que há diversas possibilidades e todas são importantes para resolver o problema, mas não existe uma solução única nem a melhor forma de gerenciar", afirma Suriani.

Na prática, é preciso apenas que os governantes coloquem a questão da ampliação do saneamento entre seus objetivos políticos, independentemente do partido a que estejam filiados. Um dos locais em que isso vem ocorrendo é a cidade de Jundiaí (SP), de 343 mil habitantes. Hoje, o município oferece coleta de esgoto a 97% de sua população e trata a totalidade do que é coletado. A prefeitura garante a construção e a manutenção da rede por meio de uma empresa de capital misto, a DAE, controlada pela administração municipal. O tratamento e a reciclagem do lodo são feitos em uma estação construída graças a uma concessão dada em 1995 a um consórcio de empresas que formam a Companhia de Saneamento de Jundiaí. Pelo acordo, o serviço é remunerado pela prefeitura e, após 30 anos, a estação será cedida ao município, que passará a administrar também essa parte do processo. O desafio, agora, é fazer com que o crescimento da cidade seja mais concentrado em áreas onde a infraestrutura de saneamento já foi montada, em vez de alastrar-se por zonas rurais, impedindo que o município registre 100% de seu esgoto coletado. "Isso será feito com a aprovação do plano diretor da cidade", afirma o engenheiro civil Milton Takeo, da diretoria de operações da DAE.

Takeo reconhece, porém, que o mérito do sucesso do programa na cidade não pode ser creditado a uma administração apenas. O engenheiro lembra que, na década de 1980, o município tinha menos de 50% de seu esgoto coletado, e o crescimento se manteve mesmo com a troca de prefeitos. É também a opinião de Sérgio Gonçalves, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. "Obra de saneamento não tem partido político, é uma questão de mobilização social. Na esfera federal, o Plano Nacional do Saneamento, que está sendo preparado, é que vai garantir a continuidade dos investimentos, independentemente de quem vencer as eleições do momento. É preciso que estados e municípios também façam seus planos."

Quando se trata de um município isolado, imputar a responsabilidade pela realização das obras e fazer cobranças, caso haja negligência, fica mais fácil. Já em áreas de conurbação, como em São Paulo e no Rio de Janeiro, encontrar os responsáveis pelo descaso é muito mais complicado – tanto que nem a Justiça ainda conseguiu se decidir. Desde 1998 tramita no Supremo Tribunal Federal um processo para averiguar de quem é a responsabilidade pela coleta e pelo tratamento de esgoto em regiões metropolitanas – se dos prefeitos ou dos governadores –, e a decisão parece estar bem longe de ocorrer. O resultado é que, enquanto dúvidas como essa e outras que rondam o setor do saneamento não forem plenamente esclarecidas, os mais penalizados serão as famílias moradoras de áreas pobres e favelas, destroçadas quando suas crianças, acometidas de diarreia, cólera e verminoses, acabam incluídas nas frias estatísticas de óbitos apresentadas anualmente por economistas, ministros e governantes brasileiros.

As mega-aldeias


Número de moradores das cidades já supera o de habitantes rurais e continua crescendo

HENRIQUE OSTRONOFF


São Paulo / Foto: H. Pita


Segundo o relatório Perspectivas da Urbanização Mundial – Revisão de 2007 (World Urbanization Prospects – The 2007 Revision), produzido pela Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais (Desa) da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 3,4 bilhões de pessoas moram hoje em cidades, superando o número daquelas que vivem no campo. Como termo de comparação, no início dos anos 1900 o total de citadinos era de 220 milhões.

O que mais chama a atenção quando se fala em urbanização são as metrópoles. Afinal, são as áreas urbanas mais visíveis, em geral com mais de uma dezena de milhões de habitantes, onde se concentram a pobreza e a riqueza, os problemas e as soluções. No entanto, de acordo com o relatório do Desa, somente 8,7% da população mundial vive nessas megacidades.

Em 1950, havia apenas duas cidades no mundo – Nova York e Tóquio – com pouco mais de 10 milhões de habitantes. Depois de 25 anos, a metrópole japonesa apresentava uma população de 27 milhões, a americana, de 16 milhões, e a Cidade do México despontava, com 11 milhões.

Já em 2007, contavam-se 19 áreas metropolitanas, com Tóquio, então com surpreendentes 37 milhões de habitantes, ainda no topo da lista, que incluía várias cidades asiáticas. São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires entravam na relação como representantes da América do Sul.

A lista das metrópoles chama a atenção por trazer apenas quatro cidades localizadas em países desenvolvidos, duas delas no Japão (Tóquio e Osaka-Kobe) e duas nos Estados Unidos (Nova York e Los Angeles). Aparecem também duas capitais europeias, mas de nações em desenvolvimento – Moscou, na Rússia, e Istambul, na Turquia.

Nascimento do urbano

Cidades com milhões de habitantes são fenômenos muito recentes se levarmos em conta a trajetória da vida em sociedade desde os seus primórdios. As primeiras aglomerações humanas teriam surgido há mais de 5 mil anos nas planícies aluviais dos rios Tigre e Eufrates, na chamada Mesopotâmia (em grego, "entre rios"), hoje território do Iraque. Constituíam-se em pequenos núcleos e aldeias, resultantes da prática de uma agricultura sistematizada e da produção de excedentes. Essa realidade levou à necessidade de criar e abrigar atores sociais não associados diretamente à produção agrícola, como soldados, artesãos e sacerdotes, que mantinham controle sobre o campo ou davam algum tipo de suporte às atividades rurais.

Posteriormente, nasceram as cidades-estados gregas e a capital do Império Romano, que chegaram a concentrar centenas de milhares de habitantes. Com o declínio de Roma e a instituição do sistema feudal, os centros urbanos entraram em declínio, voltando a adquirir importância apenas por volta dos anos 900 como polos de comércio.

Foi somente a partir da Revolução Industrial, iniciada em meados do século 18 na Inglaterra, porém, que surgiram os grandes centros urbanos, impulsionados pelas novas formas de produção e de relação entre capital e trabalho. Como as fábricas tinham muita necessidade de mão-de-obra, os nascentes empreendimentos industriais atraíram um grande número de camponeses para a cidade.

"Até 1850 nenhum país possuía população predominantemente urbana. A Inglaterra foi a pioneira a exibir uma composição demográfica que deixava de ter predominância rural. Até o final do século 19, os britânicos permaneceram sozinhos nessa situação, orgulhosos de sua capital, Londres, então a maior cidade do mundo, que chegou a ter 2 milhões de habitantes", explica o filósofo Leandro Konder, no ensaio "Um Olhar Filosófico sobre a Cidade", publicado no livro Olhares sobre a Cidade.

A primeira onda de transições demográficas, industrialização e urbanização, iniciada na Inglaterra durante a Revolução Industrial e irradiada nos séculos seguintes pela Europa e pela América do Norte, especialmente nos Estados Unidos, durou até os anos 1950. O processo, ocorrido ao longo de 200 anos, foi gradual, permitindo o acompanhamento de formação de infraestrutura urbana. Ao mesmo tempo, as pressões populacionais que naquela época as cidades sofriam foram abrandadas por grandes levas de imigração, principalmente para as Américas, onde os recém-chegados se dedicavam a atividades agrícolas voltadas para o abastecimento dos novos centros urbanos, informa o relatório Situação da População Mundial 2007, publicado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Ainda segundo o documento, assim como aconteceu na primeira onda, a fase de transição demográfica que se seguiu, ocorrida em países menos desenvolvidos a partir dos anos 1950, foi motivada pela combinação de crescimento da população com mudanças econômicas.

Países em desenvolvimento

China e Índia, as duas nações mais populosas da Terra, com mais de um 1 bilhão de pessoas cada, ainda mantêm a maioria de seus habitantes no campo, mas têm experimentado diferentes processos de urbanização. A China tem 767 milhões de pessoas em áreas rurais – ou 58% – e 561 milhões em áreas urbanas (excluindo-se do cálculo Hong Kong e Macau). Com a Revolução Chinesa de 1949 estimulou-se a industrialização, mas não a urbanização. Formaram-se então pequenas e médias cidades destinadas essencialmente a operários. A partir de 1963, por conta de uma grande crise na produção agrícola, o governo chinês formulou uma política de restrição ao crescimento urbano, o que provocou, inclusive, um encolhimento da população citadina.

Até 1979, 100 milhões de chineses viviam em cidades. Com as mudanças no sistema econômico do país a partir do final da década de 1970, que buscavam o desenvolvimento por meio de uma relativa liberalização do mercado, iniciou-se um intenso processo de urbanização. O superávit da produção agrícola ocorrido em 1984 fez com que o governo permitisse aos cidadãos do campo estabelecer negócios em cidades, desde que levassem consigo uma quantidade de grãos destinada a seu consumo, evitando assim pressões extras por alimentos nessas áreas. Entre 1993 e 1994, esses novos empreendimentos absorveram cerca de 140 milhões de camponeses. Até a crise financeira mundial iniciada em 2008, a China experimentou um dos maiores índices de crescimento econômico já registrados na história, sustentado basicamente pela industrialização sediada nas cidades.

A Índia, que em 2007 apresentava 828 milhões de pessoas vivendo no campo – ou 71% – e 341 milhões nas cidades, viu as populações urbanas crescerem de forma lenta, e tem feito esforços para retardar ao máximo o processo de migração de sua população. O governo indiano garante emprego para mão-de-obra não-qualificada durante cem dias por ano para as famílias que permanecem nas áreas rurais. O motivo é a falta de recursos para preparar as cidades para receber migrantes. Afinal, em 2003, 55% da população urbana indiana vivia em favelas, segundo dados contidos no livro Planeta Favela, do historiador Mike Davis.

Se, por um lado, a urbanização concentra a pobreza, por outro, como lembra o UNFPA, pode ser o antídoto para essa condição. Mais do que as áreas rurais, mesmo nas regiões de baixo desenvolvimento, as cidades oferecem oportunidades de educação, saúde, emprego e troca de experiências culturais. Ainda de acordo com a agência da ONU, nenhum país obteve crescimento econômico expressivo desvinculado de um forte processo de urbanização.

No entanto, como afirma João Sette Whitaker Ferreira, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), no artigo "Globalização e Urbanização Subdesenvolvida", publicado na revista São Paulo em Perspectiva, "o fenômeno de urbanização observado em grande parte dos países subdesenvolvidos em muito se deve a um tardio processo de industrialização. A atratividade exercida pelos polos industriais sobre a massa de mão-de-obra expulsa do campo (em especial nos países que receberam empresas multinacionais que alavancaram a passagem de economias agroexportadoras para economias ‘semi-industrializadas’ como o Brasil ou a Índia) provocou, a partir da década de 1960, a explosão de grandes polos urbanos no então chamado Terceiro Mundo, que não receberam a provisão de habitações, infraestrutura e equipamentos urbanos que garantisse qualidade de vida a essa população recém-chegada".

Esse processo, conforme descreve o professor da FAU-USP, impulsionou a urbanização brasileira. Até o censo de 1960, 55% da população, ou 39 milhões de pessoas, viviam no campo. Dez anos depois, eram 52 milhões os brasileiros em áreas urbanas, ou 71% do total. Em 2000, 81% já viviam em cidades.

O demógrafo José Marcos Pinto da Cunha, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que "o mundo vai se urbanizando porque as possibilidades de permanecer e de se reproduzir socialmente no meio rural vão deixando de existir". Segundo ele, talvez não seja o caso de comemorar o processo de urbanização do Brasil como algo atrelado à modernidade, "porque sabemos que grande parte do êxodo do campo esteve ligada ao quase desaparecimento dos pequenos e médios produtores rurais". Pinto da Cunha, que atua como pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, afirma, por outro lado, que não é totalmente cético em relação à urbanização, na qual vê grandes vantagens. "Teoricamente, aproxima as pessoas de melhores serviços, possibilidades tecnológicas, educação etc. Mas tudo isso em teoria, porque depende do desenvolvimento de cada país e da disposição de dar acesso às benesses que o urbano permite."

Opinião semelhante tem a professora Marta Grostein, da FAU-USP, segundo a qual a cidade representa uma forma de diminuir a pobreza, por meio das oportunidades de trabalho e crescimento econômico que oferece a seus moradores. A professora lembra também que há outras vantagens que atraem o homem do campo: "Os grandes centros educacionais estão em regiões metropolitanas, assim como o acesso à saúde, ou seja, existe a possibilidade de melhoria na qualidade de vida nas áreas urbanas". Ainda assim, ela faz questão de ressaltar que, no Brasil, a pobreza é de natureza metropolitana.

Perspectivas

Os dados apontados pelo relatório do Desa dão ideia da grande transformação social que tem ocorrido em todo o mundo. A maior explosão da população urbana aconteceu a partir do último quarto do século passado. Em 1950, 740 milhões de pessoas viviam em cidades, ou cerca de 30% dos 2,5 bilhões de habitantes do mundo todo. Até 1975, embora já houvesse 1,5 bilhão de pessoas nas cidades, a taxa de urbanização se manteve praticamente estável, em 33% do total. No entanto, em 2007 esse índice atingiu 49%, com 3,3 bilhões de pessoas, para uma população total de 6,7 bilhões.

Existem, porém, diferenças significativas nesse movimento populacional entre países e continentes. Nas regiões que o Desa identifica como "mais desenvolvidas", em 1950 as populações urbanas representavam 53%; nas chamadas "menos desenvolvidas", somente em 2019 se atingirão os 50%, quando então a população rural do mundo entrará em declínio.

O relatório mostra também que nos países mais ricos as populações urbanas, que eram de 430 milhões em 1950, chegaram a 700 milhões em 1975 e a 910 milhões em 2007 – mais que dobrando em 57 anos. E, nas nações mais pobres, elas passaram de 310 milhões em 1950 a 820 milhões em 1985, atingindo surpreendentes 2,4 bilhões em 2007 – um aumento de mais de sete vezes.

A região da América Latina e do Caribe, apesar de abrigar um grande número de países com baixos índices de desenvolvimento, constitui exceção. Em 2007 já apresentava na média um elevado índice de urbanização (78%), superior até ao da Europa, que era de 72%.

As informações do Desa mostram também que a população urbana não está distribuída de maneira uniforme. Apesar de os maiores percentuais de urbanização se registrarem nos países desenvolvidos, em 2007, cerca de 75% dos moradores das cidades estavam concentrados em apenas 25 países, entre os quais se incluíam alguns que mantêm ainda a maioria de seus habitantes no campo, como Bangladesh, China, Índia, Indonésia, Nigéria e Paquistão.

As estimativas apresentadas pelo Desa procuram também projetar qual será o perfil da população mundial até meados deste século. Segundo o estudo, em 2025 o planeta terá 8 bilhões de habitantes e em 2050 serão 9,2 bilhões, com o número de moradores das áreas urbanas crescendo num ritmo muito mais acelerado do que o verificado no campo: nesse período, a população urbana passará de 4,6 bilhões para 6,4 bilhões, um acréscimo de 1,8 bilhão de pessoas, enquanto a população mundial terá um incremento de 1,2 bilhão.